A desnutrição (fome na linguagem dos nossos 20 milhões de pobres) provocou a morte de 87 crianças no primeiro semestre do ano na província angolana de Benguela, um aumento de quatro casos em relação ao mesmo período de 2020, informou hoje fonte sanitária local.
Segundo a supervisora municipal do programa de nutrição em Benguela, Filomena Manuel, o desmame precoce e uma dieta alimentar desequilibrada estão na base do aumento de casos de crianças desnutridas, com idades até aos cinco anos.
Filomena Manuel, citada pela agência noticiosa angolana, Angop, referiu que nas zonas “A e F”, nos arredores da cidade de Benguela, tem crescido o abandono de crianças, que acabam por cuidar de outros menores, enquanto as suas mães trabalham no campo ou nos mercados informais durante o dia. E trabalham para quê? Para ver se, de vez em quando, conseguem fazer uma daquelas coisas que os donos do reino fazem várias vezes por dia, e de forma faustosa, e que dão pelo nome de refeições.
A responsável sanitária disse que diariamente chegam aos serviços médicos 400 casos de desnutrição em Benguela, sendo o bairro do Asseque o mais crítico, com altos índices de desnutrição, apesar de ser uma zona favorável à prática da agricultura.
A médica disse que em muitos bairros das zonas “A e F” as equipas de triagem do programa de nutrição têm-se deparado, em média, com mais de 40 casos/dia de desnutrição moderada e severa, incluindo muitas crianças com apenas uma refeição diária. Segundo Filomena Manuel, as crianças com um ano constituem a faixa etária mais preocupante e propensa à desnutrição.
“Dos cinco aos 14 anos, temos um número muito reduzido, apesar de que também temos visto alguns adultos com desnutrição em Benguela”, disse a responsável, sublinhando que a organização não-governamental sul-africana Joint Aid Management (JAM) tem ajudado, fornecendo soja.
O Fundo das Nações Unidas para a Infância também tem apoiado e recentemente Benguela recebeu três contentores com produtos para tratar a desnutrição em pacientes no programa ambulatório.
As palestras e campanhas de triagem nas comunidades mais distantes, sem unidades sanitárias, têm sido as apostas (têm sido ao longo dos 46 anos que o MPLA leva de suposta governação) para reverter o actual quadro, indicou Filomena Manuel, realçando que todos os casos de desnutrição são encaminhados para a única unidade de referência em Benguela.
Contudo, o Hospital Geral de Benguela está sem capacidade para atender pacientes com desnutrição, disse a supervisora municipal do programa de nutrição em Benguela.
“Cada cama tem duas crianças. É uma situação preocupante”, informou, apontando como solução a abertura em outras unidades sanitárias de mais programas terapêuticos para pacientes em ambulatório, os chamados ‘PTPA’, que já totalizam 27. “No mês de Julho, 492 crianças tiveram alta e estão a ser acompanhadas no quadro deste protocolo”, disse.
Os ‘PTPA’ atendem todas as crianças com desnutrição severa ou moderada, sem critério de internamento, nomeadamente complicações como diarreia ou tosse, enquanto os casos de desnutrição grave são tratados no centro de nutrição de Benguela.
Em 2020, ano marcado pela pandemia de Covid-19, o mundo testemunhou um “agravamento dramático” da fome, com quase um décimo da população mundial a sofrer de subnutrição, revelaram as Nações Unidas. Segundo a FAO, 23,9% da população angolana passa fome, o que equivale a que 6,9 milhões de angolanos não têm acesso mínimo a alimentos.
A coragem de se ser verdadeiro
Numa altura em que até um relatório do Ministério da Saúde indicava que nos primeiros seis meses de 2020 duas crianças morriam por hora devido à fome, aumentando paralelamente o número de pobres que, antes da pandemia de Covid-19, eram 20 milhões, o Governo do MPLA continua firme e impávido perante o sério o risco de Angola se transformar num não-país.
No fim de 2020, uma noticia a VoA dava conta que organizações da sociedade civil angolana consideravam que o aumento de mortes de crianças por desnutrição (fome em bom português) no país devia-se à falta de políticas sociais sustentáveis e ao desprezo a que estão votadas as associações que trabalham com as comunidades mais empobrecidas.
Um relatório da Direcção Nacional de Saúde Pública (DNSP) sobre a desnutrição no país revelou que, nos últimos seis meses de 2020, em média, duas crianças com menos de cinco anos morreram em Angola a cada hora devido à fome. Certamente, como parece ser o desígnio nacional do MPLA (o único partido que governa o país há mais de 45 anos), essas crianças faziam parte do colossal conjunto de angolanos que estariam a tentar aprender a viver sem… comer.
O relatório estimava que, no total, 8.413 crianças morreram de um universo de 76.480 que deram entrada nos hospitais públicos do país.
Para o líder da organização “Construindo Comunidades”, padre Jacinto Pinto Wacussanga, o quadro descrito pela DNSP “pode ser muito mais grave do que se pode pensar”. E não é por falta de alertas que o Presidente da República, igualmente presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, olha para o lado e assobia. É, isso sim, pelas criminosas políticas económicas e sociais que o seu governo leva a cabo.
O conhecido padre dos Gambos, na Huíla, diz que por falta de comida, “as crianças da região são alimentadas com frutos silvestres e com raízes”. Será que João Lourenço sabe o que são crianças angolanas? Será que sabe que lidera um país rico e que nem nos piores tempos da colonização acontecia tal coisa?
O activista social Fernando Pinto, responsável de uma associação de apoio às crianças pobres do distrito urbano do Zango, em Luanda, dizia que o relatório é “um retrato fiel do que se passa em Angola, até mesmo na sua capital”.
Segundo o documento da DNSP, do total dos menores que procuraram hospitais, 11 por cento faleceram, 11 por cento abandonaram o tratamento, seis por cento não tiveram resposta ao tratamento e 72 por cento tiveram alta.
Além da falta de alimentos em vários lugares, aquele órgão do Ministério da Saúde de Angola reconhece a ocorrência de rupturas constantes de stock de produtos terapêuticos nos centros de saúde, atraso na planificação e o número insuficiente de pessoal capacitado para tratar a desnutrição aguda. É claro que os filhos dos dirigentes, e de outros ilustres acólitos do MPLA, vivem noutro mundo, eventualmente por pertencerem a uma casta superior e não terem o estatuto de escravos como acontece com estas crianças.
Em Abril de 2020, o secretário-geral das Nações Unidos, António Guterres, alertou no Relatório Global de Crises Alimentares que o mundo arriscava-se a derrapar este ano para uma tragédia de fome “de proporções bíblicas” devido à pandemia de Covid-19.
“Se nada for feito, o número de pessoas em risco de insegurança alimentar aguda no mundo pode mesmo quase duplicar este ano e chegar aos 265 milhões de vítimas, face aos 135 milhões de 2019”, lia-se no documento que, numa lista de 35 países, alertava para a situação de Angola.
“A insegurança alimentar aumentou devido à seca nas províncias do sul e o afluxo de refugiados da República Democrática do Congo”, concluiu o relatório, que indicou que essa situação estava a afectar mais de 562 mil pessoas.
A ONU concluiu que “mais de 8 por cento das crianças com menos de cinco anos sofriam de desnutrição grave e perto de 30 por cento tinham problemas de crescimento”.
Recorde-se que o Presidente João Lourenço mentiu quando, na célebre entrevista à RTP, disse que não havia fome em Angola, retratando que o que havia, apenas aqui ou ali, era uma ligeiríssima má-nutrição. E com ele mentiram também o Presidente do MPLA, João Lourenço, e o Titular do Poder Executivo, João Lourenço.
Provavelmente João Lourenço deve ter feito estas declarações à RTP depois de um frugal e singelo almoço, do tipo trufas pretas, caranguejos gigantes, cordeiro assado com cogumelos, bolbos de lírio de Inverno, supremos de galinha com espuma de raiz de beterraba e queijos acompanhados de mel e amêndoas caramelizadas, e várias garrafas de Château-Grillet 2005.
Compreende-se (isto é como quem diz!), que tenha arrotado esta (e outras) mentira em solidariedade com os nossos 20 milhões de pobres que, por sua vez, arrotam à fome e morrem a sonhar com uma refeição.
Em 2018, os próprios dados governamentais davam conta que Angola tinha uma taxa de desnutrição crónica na ordem dos 38 por cento, com metade das províncias do país em situação de “extrema gravidade de desnutrição”, onde se destacava o Bié, com 51%.
As províncias do Bié com 51%, Cuanza Sul com 49%, Cuanza Norte com 45% e o Huambo com 44% foram apontadas, na altura, pela chefe do Programa Nacional de Nutrição, Maria Futi Tati, como as que apresentavam maiores indicadores de desnutrição.
“São cerca de nove províncias que estão em situação de extrema gravidade de desnutrição, sete províncias em situação de prevalência elevada e duas províncias em situação de prevalência média”, apontou Maria Futi Tati, em Junho de 2018.
Um relatório da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) indicava que, em Angola, 23,9% da população passa fome.
Em Angola, segundo a FAO, “23,9% da população passa fome”, o que equivale a que “6,9 milhões de angolanos não tenham acesso mínimo a alimentos”.
Folha 8 com Lusa